O direito à palavra
No centro da multidão, uma pessoa grita uma frase. Aquelas ao seu redor repetem. E logo as outras, e outras, e outras, até que o conteúdo da fala se espalhe e possa ser ouvido por todos os presentes àquele ato político. O ritual ecoa uma estratégia criada para dar voz a pensamentos que, muitas vezes, não podem ser gritados em megafones ou carros de som. Até hoje, pode ser visto em atos e manifestações políticas realizadas no Centro do Rio, espaço histórico para os grandes levantes reivindicatórios do país.

A Cinelândia tem sido lugar primordial de protesto e de expressão política da população carioca. Foi ali, por exemplo, que se deu o ponto culminante da chamada Passeata dos Cem Mil, em 1968, convocada em protesto contra a ditadura militar e a morte do estudante Edson Luís. Naquele quadrilátero habita, também, a memória dos gritos pelas Diretas Já, nos anos 1980, e a euforia dos caras-pintadas, que foram às ruas em 1992 pedir o impeachment do então presidente Fernando Collor.

Em geral, grandes passeatas, até hoje, começam ou acabam na praça ladeada por inúmeros prédios históricos. Como ocorreu em junho de 2013, quando uma multidão fez eco às manifestações contra o aumento das passagens de ônibus que estavam ocorrendo em diversas cidades do país. “Vem, vem, vem pra rua, vem!”, entoavam os manifestantes. Às palavras de ordem, porém, se somaram os sons de rojões, vidraças quebradas, correria e o estampido de balas de borracha. As manifestações de 2013 foram marcadas pela mistura de vozes e de gritos que, até hoje, cientistas políticos e sociólogos assumem não serem de todo compreendidos. Mas também foram protestos marcados pela passagem ruidosa dos black blocks e pela marcha assustadora de uma violenta repressão policial.

O Centro do Rio, entretanto, também tem sido palco para a renovação de sons no âmbito político. Como aqueles das cirandas de mulheres, que têm se dado as mãos em atos nos quais reivindicam o direito ao próprio corpo. “Companheira me ajuda/ Que eu não posso andar só/ Eu sozinha ando bem/ Mas com você ando melhor”, cantam. Em 15 de março de 2018, a Cinelândia calou naquele que talvez tenha sido um dos maiores silêncios de sua história: a perplexidade que se seguiu à passagem dos caixões com os corpos assassinados da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes. Um silêncio crispado apenas pelo som de centenas de pessoas chorando.